Jornadas à pé I

“Quem chega tarde/Deve andar devagar/Andar como quem parte/Para nenhum lugar
Vida que me venta/Sina que me brisa/Só te inventa/Quem te precisa”
Do Leminski


Passando o entusiasmo de aniversário, estou precisando contar pra vocês um pouco do meu cotidiano aqui na metrópole. Não está fácil! Mas quem disse que ia ser fácil. Eu queria que fosse difícil mesmo. Só pra lembrar, uma advertência aos leitores:

ISSO NÃO É RECLAMAÇÃO!

Estou bem feliz de por estar aqui. Até o barulho tão barulhento do meu largo me fazia falta. Esse rugido 24 horas de São Paulo está ninando o meu sono, na minha cama grande e vazia.

Estou numa puta dureza. Estas linhas tortas do destino me pregaram uma peça boa. Três quartos da bolsa pagam fisioterapia e remédios. O resto é pra comer, fumar, beber e ir. Estou comendo toda a dispensa da casa, macarrões, sopas Maggi obscuras que meu tio comprou, comida congelada há tempos. A pergunta é, vale a pena?

Vale primeiro pelo moral das tropas. Estava começando a ficar triste em Itu. Depois eu cansei de ser cuidada em demasia, minha mãe indo trabalhar de ônibus pra ter carro pra me levar nas coisas, meu irmão de motorista o dia inteiro. Achei melhor eu fazer esse esforcinho de me cuidar sozinha.

A rotina é acordar, fazer café. Dá um trampo porque aquela corridinha na cozinha pra por a água pra ferver dá um puta trabalho. Arrumo a mala e natação. O SESC é bem perto, mais ou menos quatro quadras. Só que as calçadas da minha rua são de alta velocidade, rota para o metrô e o hospital, e de repente eu me vejo ultrapassada por velhinhas com bengala, gente arrebentada. Todos mais rápido que eu. Hoje cronometrei, 30 minutos pra andar estas quatro quadras. Depois de nadar, mais trinta pra voltar. Daí, preciso de duas horas deitada com o pé pra cima pra tirar o peso e a dor do pé.

Nas terças e quintas é a fisioterapia. A Clínica é na Capote Valente e o ônibus passa aqui bem perto. É divertido parar o ônibus com a bengala. Subir, se equilibrar, pagar, sentar bem perto da porta pra fatídica hora de descer. Tudo calmo, mais três quadras de caminhada. O ônibus para na Rebouças na altura da Oscar Freire. Atravesso na faixa, desvio dos buracos quase tapados das calçadas da Marta. Chego suando na clínica, com ar condicionado. Saio de lá com frio, mas levitando depois de todos os aparelhos contra a dor que eles colocam no pé. Ando até a Cardeal, outro ônibus, mais duas quadras à pé até minha casa. Mais umas horas de descanso.

Ontem fui visitar o Fabi, que mora bem perto. Mais meia hora de caminhada pela São João. Tomamos cervejinha e ele me trouxe até o Largo. Até cansou de andar na minha velocidade.

De tarde eu estudo, escrevo, penso, mando currículos pela internet, fumo muitos cigarros, escuto música, deito na rede, ligo pra alguém.

De noite igual.

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