Medo de quê?

Grupos de crianças vem visitar a folha, normalmente de classe média-alta. Quando entendem como funciona um jornal, piram nos computadores e nas fotos do Harry Potter cadastradas num arquivo digital.

Dias atrás chegaram as crianças de um projeto educacional da favela Zaki Narchi. Tinham menos de sete anos de idade, mas entendiam muito mais de medo do que qualquer pessoa.

O rapaz começou a exposição como todos os dias. Perguntou do Harry Potter, um levantou a mão. Lembrou-se então de perguntar se alguém já tinha visto um computador, um levantou a mão. Explicou que aquilo se chamava mouse, que era rato em inglês. A menininha levantou a mão e perguntou se ele corria quando tentavam matar ele. Começou então algum diálogo.

Enquanto isso, estou lendo o jornal numa mesa bem perto. Os três menininhos do fundão, de mãos no bolso e indiferença de adolescente se aproximam de mim. Um deles aponta para uma foto de pneus em chamas, protesto pela morte da mãe e dois filhos em Diadema por um policial militar. Ele indica com o dedo, bem devagar e diz “Cingapura.”. “Onde você mora?”, pergunto. “Cingapura, da Zaki Narchi” “Teve briga lá esses dias não? Alguém se machucou?” Ele aponta com o mesmo dedinho o olho. “Um menino, levou um tiro aqui.” Fico muda e desconverso, peço pra eles prestarem atenção no rapaz que está explicando

“O que vocês querem ver?” o rapaz pergunta. “Zaki Narchi!”, eles gritam empolgadíssimos. As fotos digitais com esta palavra-chave trazem incêndios, enchentes e a mais recente reintegração de posse violentíssima. “Olha, o Buiú!!”, todo mundo grita junto, encontrando um sentido, reconhecendo lugares e pessoas nas fotografias. “Cadê a foto do menino do tiro?” “Eu joguei pedra na polícia!” “Se quiserem quebrar minha casa, eu arrebento”. Isso tudo foi dito ao mesmo tempo.

“Vamos ver uma coisa mais feliz? E agora, o que vocês querem ver?” se esforça o rapaz.

“O Chucky!”

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