Jimis entusiasmado na metrópole

O domingo à noite, final do dia do meu aniversário, tinha tudo pra ser mais um domingo à noite, mais um final de dia de aniversário. Um dia melancólico porque foi o dia que eu cheguei, depois de três meses ausente, de volta a minha casinha. Já passei por isso, cinco anos atrás. Voltei num domingo à noite, sem ser meu aniversário, pra São Paulo, depois de um tempo em Itu acidentada. Sozinha, passei a noite tentando me localizar na minha vida, revendo caixinhas, cadernos e memórias.

Desta vez foi diferente. Fui retirada do buracão melancólico que estava prestes a me meter (rede pendurada, tango na vitrola) pelo telefonema surpresa do meu amigo James. “Vamos tomar? Que bom que você topou.” Pensou ele e eu.

O James como um bom urbanista que é logo percebeu o potencial deste fantástico calçadão espremido entre a igreja e o buteco Birinight´s. Somente a Santa Cecília mesmo pra ser conivente com o espaço de luxúria e samba bem ao lado de sua casa. Mas dizem mesmo que essa santa é a padroeira dos boêmios. Santo lugar.

Conversamos muito sobre a cidade, com crianças correndo, penduradas nas pernas, uns bebês no carrinho, gente conversando, noite calorenta. “Vamos mais uma? Claro. Ainda é cedo.”

Nos meios da conversa aparece um cara oferecendo “Cigarrinhos da Paz”. Entre os dedos, dez tubinhos brancos, bem bolados, suspeitíssimos. Logo o dispensei com a prática usual do “hoje não”. James como um bom urbanista que é se perguntou e logo perguntou pra ele. Enquanto eles conversam, vou descrever o cara.

À princípio, muito próximo de um hippielandia da praça da República. Calça jeans suja, regata, um dente e meio na frente onde deveria haver dois, cabelo e barbas extremamente arrepiados (barbeludo), dente de algum bicho como brinco na orelha, boné camuflado do exército, muitas pulseiras, colares.

Escuto a conversa de novo. “ Esse é cigarro é uma mistura de ervas, tem camomila, sálvia...” “É, muito cheiroso, vou levar um”. “Mas tem também?” “ Tem, só dez porcento, eu coloco quantidade igual de todas as ervas”

Agora vem o que pode ser considerado um passa moleque para alguns, ou o melhor da história para outros. “Histórias que só São Paulo traz pra você!” Ele diz que se quiser mais, é só procurar o Cigano. Sim, ele é Cigano, os pais fugiram da Espanha, no porão do navio, ele com dois anos, no perrengue. Ele se afastou da família, dos costumes, mas fala a língua (Dá exemplo falando algum dialeto que pode ser a língua do pê ou língua cigana mesmo). Diz que nasceu branco por engano, é de família morena, por isso, seu nome é Luar. Hippie, né? Não, cigano.

Tratei de esconder o suspeito na bolsa, caríssimo, inflacionado. Vamos fumar em casa. A sexta cerveja, dois chocolates, dois maços e o cigarrinho da paz depois terminamos a noite com o James equilibrado em cima de um banquinho, em cima da minha cama, trocando a lâmpada do meu quarto como um bom urbanista que é. Isso com pressa pra não perder o último metrô. Depois, claro, de intensas confidências causadas, com certeza, pelos chocolates.

Que bom o entusiasmo do James.!

Comentários

postman disse…
E como bom urbanista que sou, esqueci alguns detalhes - os humanos - como por exemplo te ligar para dizer que cheguei em casa são e salvo... Ah, minhas confidências prescindem de chocolates e camomilas, elas só precisam de um bom ouvido e colo!

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